Há cerca de um mês e meio, foi realizada no STF (Supremo Tribunal Federal) uma audiência pública para discutir se o WhatsApp possui a obrigação de quebrar a criptografia de ponta-a-ponta que protege as conversas de seus usuários, com o fim de auxiliar a investigação de atos ilícitos.
Enquanto boa parte dos presentes à audiência expôs os enormes riscos que a abertura dessa vulnerabilidade causaria, representantes do Ministério Público, da Polícia Federal e de outros órgãos alegaram que a empresa que gerencia o aplicativo não pode se negar a colaborar com as autoridades. Essa discussão não se limita ao Brasil, haja vista que na Europa e nos Estados Unidos, com os recentes ataques terroristas, muitos governos começaram a questionar o uso de criptografia por parte de aplicativos.
Em um artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, em agosto de 2016, Tercio Sampaio Ferraz Júnior, Juliano Maranhão e Marcelo Finger defendem que a questão principal discutida no caso do WhatsApp diz respeito à possibilidade de que empresas, no exercício do direito à livre iniciativa, desenvolvam aplicativos que proporcionem aos usuários espaços de comunicação “absolutamente inacessíveis”. Pois, se um programa que criptografa mensagens for realmente eficaz, torna praticamente impossível que o Estado tenha acesso ao conteúdo comunicado.
Como ressaltam os autores do artigo, “no mundo físico, ao contrário do virtual encriptado, não há ambiente que, em tese, não possa ser acessado pelo Estado”. No caso do WhatsApp, o que se discute é se a empresa deve ou não ser obrigada a alterar o código de programação de seu aplicativo para torná-lo vulnerável a interceptações. Ou seja, é plenamente possível que as mensagens passem a ser interceptadas; deve-se discutir, porém, se é possível exigir essa interceptação juridicamente, e se isso é socialmente desejável.
Recentemente, uma notícia vinda da China pode nos levar a aprofundar ainda mais a questão. Cientistas anunciaram, no dia 10 de julho, que pela primeira vez na história foi possível transportar um objeto da Terra (um fóton, partícula elementar que compõe raios eletromagnéticos) para o espaço. Trata-se de um grande avanço para a chamada “internet quântica”.
Como ressalta a reportagem do Nexo Jornal, apesar de esse processo ser chamado de “teletransporte”, não é exatamente o que se vê nos filmes e nas séries de ficção científica. O que ocorre é chamado de “emaranhamento quântico”, conceito ainda considerado incompreensível pelos cientistas. Duas partículas quânticas emaranhadas são geradas ao mesmo tempo; a partir de então, qualquer transformação que ocorra em uma dessas partículas levará à mesma transformação na outra, mesmo que as duas estejam a quilômetros de distância. Apesar de esse fenômeno já ter sido produzido em outras ocasiões, pela primeira vez isso ocorreu da Terra para o espaço.
Isso pode revolucionar as comunicações pela internet, explora a Nasa. Essa tecnologia pode ser utilizada, no futuro, para garantir uma segurança extrema dessas comunicações. Se duas pessoas compartilharem um par de partículas que tenha surgido desse processo de emaranhamento quântico, podem transmitir informações uma para a outra de modo que não seja possível realizar uma interceptação.
Talvez ainda seja algo distante pensar na disseminação dessa nova tecnologia. Porém, trata-se da adição de um ingrediente a mais à discussão envolvendo a criptografia atualmente aplicada por WhatsApp e outros aplicativos: será que os órgãos de investigação e de persecução criminal não estão muito apegados a técnicas usadas há muitas décadas, mas que podem perder relevância ao longo das próximas?
A inviolabilidade jurídica das comunicações, que está sujeita a excepcionalidades previstas pelo próprio sistema jurídico e existe justamente para proteger uma situação de vulnerabilidade fática, parece dar lugar a uma inviolabilidade garantida pelo avanço da ciência e da tecnologia. Com isso, ao invés de gastar tanto tempo e esforço para defender técnicas de investigação que estão sujeitas à ineficácia, como a interceptação das comunicações, talvez seja hora de pensar no que fazer no futuro, num cenário em que o teletransporte superará quaisquer técnicas de criptografia atualmente existentes.
Artigo publicado no Justificando.