Homem segurando um tablet com aimagem de uma página sobre lei de proteção de dados

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e o direito de imagem

Frullani Lopes Marcelo Frullani 08 de março de 2022

A entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei n.o 13.709/2018) está prevista para agosto de 2020. Contudo, desde já os indivíduos e entidades que realizam tratamento de dados pessoais devem se preparar para as grandes novidades trazidas pela nova lei.

Muitos ainda não se atentaram para a necessidade de adequar suas práticas à LGPD. Importante ressaltar que a nova lei não se aplicará apenas a grandes empresas de tecnologia como Facebook, Google e Uber, mas também a pequenas empresas ou até mesmo a pessoas físicas. Com pequenas exceções previstas expressamente na lei, todos que tratam dados pessoais devem cumprir a nova lei.

Cabe também destacar, de início, que o conceito de “dado pessoal” é bastante amplo, pois abrange qualquer informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável. A imagem de uma pessoa, por exemplo, é dado pessoal, desde que seja possível identificá-la. Isso se aplica tanto a fotos quanto a vídeos1. Com isso, o tratamento2 de fotografias e vídeos que retratem pessoas identificadas ou identificáveis deve respeitar os princípios e as regras da LGPD.

Não apenas isso. A partir de uma imagem (que é um dado em si), pode-se extrair outras informações relevantes sobre um indivíduo. Uma fotografia ou um vídeo que mostra uma pessoa rezando dentro de uma igreja, ou participando da reunião de um partido político, torna possível identificar a religião e as opiniões políticas dessa pessoa.

O que diz a LGPD sobre o assunto

No exemplo mencionado no parágrafo anterior, o problema se torna ainda mais complexo, uma vez que informações relacionadas a convicções religiosas e opiniões políticas são consideradas pela LGPD “dados pessoais sensíveis”. Essa espécie de dado pessoal recebe uma proteção ainda maior da lei e seu tratamento exige um cuidado especial por parte das pessoas físicas e jurídicas que o tratam.

Ou seja, ainda que a imagem em si não seja necessariamente um dado sensível, pode-se inferir dados sensíveis a partir dela. Nessa hipótese, o parágrafo 1º do artigo 11 prevê que a tutela dos dados pessoais sensíveis também se aplica a “qualquer tratamento de dados pessoais que revele dados pessoais sensíveis e que possa causar dano ao titular”. Dessa forma, o tratamento de uma imagem capaz de levar a inferências sobre dados pessoais sensíveis deve seguir os padrões mais restritivos previstos na lei para o tratamento dessa espécie de dados pessoais

Isso não significa, porém, que qualquer utilização de imagens de pessoas naturais deva seguir todas as regras e princípios previstos na LGPD. O artigo 4º, inciso I, exclui a aplicação da lei em relação ao tratamento de dados pessoais “realizado por pessoa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos”. Além disso, o inciso II do artigo 4º exclui a aplicação da LGPD quanto o tratamento de dados pessoais se der para fins jornalísticos, artísticos ou acadêmicos (observados, neste último caso, disposições especiais previstas nos artigos 7º e 11).

Disso não decorre ser possível postar qualquer imagem sem autorização das pessoas retratadas nesses casos de exceção de aplicação da LGPD, uma vez que continua em vigor o direito de imagem. Nesses casos, permanece importante analisar se houve consentimento (ainda que tácito) das pessoas retratadas, ou se a foto ou o vídeo foram produzidos em espaço público, se houve ou não destaque para as pessoas retratadas, se há interesse público na divulgação da imagem, dentre outros pontos tradicionalmente discutidos quanto a esse direito da personalidade.

Mas, no casos em que a LGPD se aplica, surgirão novos ônus ao responsável pelo tratamento, como a necessidade de respeitar todos os princípios3 e regras presentes na nova lei. Assim, caso um indivíduo ou entidade realize um tratamento da imagem de uma pessoa em relação ao qual incida a LGPD, deve-se utilizar a imagem para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular (inciso I do artigo 6º), o tratamento deve ser apenas no nível adequado e necessário para o atingimento dessas finalidades (incisos II e III do artigo 6º), deve-se garantir ao titular dos dados liberdade de acesso à forma e à duração do tratamento (inciso IV do artigo 6º), e o responsável pelo tratamento deve oferecer a maior transparência possível ao titular (inciso VI do artigo 6º), dentre outros pontos.

Se a imagem for capaz de revelar dados sensíveis da pessoa retratada (como preferência religiosa ou filiação política), os cuidados devem ser ainda maiores. Nesse caso, o consentimento deve se dar de forma específica e destacada, para finalidades específicas (inciso I). As hipóteses de dispensa do consentimento previstas no inciso II são muito mais restritivas do que aquelas previstas no artigo 7º, as quais se aplicam para o tratamento de dados pessoais não sensíveis.

Certamente haverá muita discussão quanto à aplicação da nova lei a pessoas ou entidades que utilizam redes sociais para publicar fotos ou vídeos com finalidade lucrativa, mas não se enquadram na concepção tradicional de “jornalista”. Um youtuber que publica imagens de pessoas em espaços públicos e que obtém recompensas financeiras dessa rede social deve ser enquadrado na LGPD ou aplica-se a ele a excludente da atividade jornalística? Ainda que se entenda não ser aplicável a excludente, deve-se ressaltar que a LGPD é uma lei ordinária, portanto a Constituição está hierarquicamente acima. Assim, a depender do caso concreto, as exigências da LGPD (em especial aquelas previstas para tratamento de dados sensíveis) podem impor limites excessivos à liberdade de expressão, direito fundamental garantido a todos os cidadãos.

Portanto, a LGPD trará maior complexidade ao debate sobre os cuidados que pessoas e entidades devem ter antes de publicar fotos ou vídeos que retratem indivíduos identificados ou identificáveis. Esse debate não se limitará, porém, exclusivamente à legislação ordinária, uma vez que há clara interferência em direitos fundamentais previstos na Constituição, em especial a liberdade de expressão.

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1 Ainda que não seja exibido o rosto do indivíduo, a imagem pode ser considerada um dado pessoal caso algum outro elemento torne possível identificar a pessoa retratada.

2 Tratamento de dados pessoais é, de acordo com o artigo 5º, inciso X, da LGPD, “toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração”.

3 Os princípios estão previstos no artigo 6º da LGPD, sendo eles: finalidade, adequação, necessidade, livre acesso, qualidade dos dados, transparência, segurança, prevenção, não discriminação e responsabilização e prestação de contas.

Publicado no Jota.

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