No momento em que a discussão sobre a liberdade de imprensa e seus limites atinge seu auge, um caso de enorme relevância deve ser julgado em breve pelo Supremo Tribunal Federal envolvendo um dos inúmeros aspectos desse tema.
Trata-se de uma Reclamação[1] apresentada pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), por meio da qual a entidade pede a cassação de decisão proferida pelo juiz da 4ª Vara da Justiça Federal de São José do Rio Preto (SP), que determinou a quebra do sigilo telefônico de um repórter e de um jornal da cidade.
Resumidamente, em 2011 foram publicadas duas reportagens sobre a operação tamburutaca, feita pela Polícia Federal para investigar suposto esquema de corrupção na Delegacia do Trabalho do município. Nas matérias, foram expostos trechos de conversas telefônicas interceptadas por ordem do juiz da 4ª Vara da Justiça Federal, no bojo de processo que corria em segredo de justiça.
Inconformado com isso, o Ministério Público Federal pediu o indiciamento criminal do repórter, com a finalidade de apurar o cometimento de crime previsto no artigo 10 da Lei 9.296/96[2], isto é, a quebra de segredo de Justiça.
No decorrer dessa investigação, foi solicitada autorização judicial para quebra do sigilo telefônico tanto do repórter quanto do jornal, para que se identificasse a fonte das informações transmitidas ao jornalista. Esse pedido foi acolhido pelo magistrado.
Assim, a ANJ ajuizou Reclamação sob o argumento de que essa decisão fere a autoridade do julgado vinculante do STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, isto é, a ação por meio da qual a chamada “Lei da Imprensa” (Lei 5.250/67) foi considerada não recepcionada pela Constituição de 1988.
A complexidade do caso sobre sigilo de fontes
Em decisão proferida no recesso judicial, o ministro Ricardo Lewandowski ressalta que o caso é extremamente complexo, pois de um lado se encontra a garantia do sigilo de fonte e, do outro, a violação do segredo de justiça. Sem entrar no mérito, o ministro determinou a suspensão da decisão do juiz de primeiro grau para preservar eventual utilidade do provimento judicial até o julgamento definitivo.
Em que pese a decisão no sentido de suspender a quebra de sigilo ter sido correta, o ministro partiu de um ponto de vista equivocado. O caso envolve uma série de discussões jurídicas importantes, porém devemos identificá-las e discuti-las separadamente.
Isto é, o conflito e a eventual necessidade de ponderação entre normas constitucionais referentes à liberdade de expressão/informação e segredo de justiça tem relevância no contexto da discussão quanto à tipicidade/atipicidade da conduta do jornalista. Não é esse o objeto da ação que corre no STF.
A Reclamação apresentada pela ANJ questiona a legalidade da quebra de sigilo telefônico de um jornalista, ao longo de um procedimento investigativo, para a apuração de suas fontes.
A decisão do juiz de primeira instância afronta claramente o artigo 5°, inciso XIV, da Constituição Federal, que assegura a todos “o acesso à informação” e resguarda “o sigilo de fonte, quando necessário ao exercício profissional”. Nenhuma investigação, independentemente da natureza do suposto crime, pode ignorar tal preceito. Por isso, a decisão deve ser cassada pelo STF.
Isso não impede que o jornalista seja processado pelo crime previsto no artigo 10° da Lei 9.296/96. Essa é uma outra discussão extremamente importante, neste caso envolvendo, sim, conflito entre dois preceitos constitucionais, mas que ainda não foi sequer tratada em primeira instância.
Dessa forma, a norma que prevê o sigilo de fonte não se encontra em conflito com aquela que garante o segredo de justiça, pois eventual cometimento de crime por parte do jornalista ou de algum servidor público pode ser apurado por outros meios.
Neste momento, o importante é que a Corte Suprema assegure o respeito ao sigilo de fonte. A investigação sobre um suposto crime cometido pelo jornalista ou por servidor público pode prosseguir sem a necessidade de se violar uma norma tão indispensável à liberdade de expressão e de informação.