Psiquiatra fazendo anotações para tratamento psicoterapêutico

Limitação ao tratamento psicoterapêutico e os 17 anos da reforma psiquiátrica

Frullani Lopes Bruno Frullani 08 de março de 2022

No mês de comemoração dos dezessete anos da publicação da lei que promoveu a reforma psiquiátrica no Brasil (Lei nº 10.216/2001), com o reconhecimento de uma série de direitos aos portadores de transtornos mentais, bem como a determinação de adoção de políticas públicas na área pelo Sistema Único de Saúde, uma lenta evolução faz-se sentir na jurisprudência relacionada ao tratamento psicoterápico, com especial destaque para recente decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que entendeu como abusiva a limitação de cobertura de plano de saúde a número de sessões anuais de psicoterapia para casos de depressão.

A evolução legislativa sobre o tratamento de transtornos mentais, no país, tem como primeiro marco a edição da Lei nº 9.656/1998 que dispôs sobre os planos e segurados privados de assistência à saúde. Até então, grande parte dos transtornos mentais estava simplesmente excluída da cobertura dos planos de saúde. Após a reforma psiquiátrica, aderindo às recomendações e aos pressupostos da Lei nº 10.216/2001, a Agência Nacional de Saúde gradativamente passou a considerar a saúde mental como uma das áreas prioritárias do setor, com a edição de atos normativos de modo a articular os modelos assistenciais público, privado e suplementar.

A evolução da reforma psquiátrica

Até junho de 2010, por exemplo, resolução normativa discriminava em dias de cobertura entre internações para usuários de álcool e drogas e relativas aos demais transtornos mentais. Com a Resolução Normativa 211 e a Instrução Normativa 25 do Conselho de Saúde Suplementar, a partir de 2010, o limite comum de internação consolidou-se em trinta dias por ano. A partir de 2012, as internações psiquiátricas que suplantavam os trinta dias passaram a ser pagos com coparticipação de 50% entre operadora do plano de saúde e usuário.

Por sua vez, as consultas por psicólogos e terapeutas ocupacionais restritas até então a doze e seis sessões por ano, respectivamente, foram ampliadas, em junho de 2010, a quarenta sessões para um grupo específico (dentre os quais, diagnósticos de esquizofrenia, bipolaridade, depressão recorrente, autismo e distúrbio alimentar). Em 2015, algumas coberturas mínimas passaram de doze consultas por ano para dezoito.

Justamente, a 3ª Turma do STJ, no Recurso Especial 1.679.190/SP em decisão unânime, entendeu ser abusiva qualquer cláusula contatual ou ato de operadora de plano de saúde que limite a cobertura de tratamento psicoterápico ao número de sessões anuais estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar. A 3ª Turma determinou que o número de consultas anuais deve ser considerado apenas como a cobertura mínima obrigatória.

No caso em análise, uma usuária do plano de saúde da Unimed de Araras – Cooperativa de Trabalho Médico com depressão pleiteava a cobertura de tratamento psicoterápico prescrito por médico, consistente em quarenta sessões de psicoterapia, embora constasse no contrato com o plano de saúde a limitação de doze sessões anuais. Para os distúrbios ligados à depressão, até 2015, a ANS estabelecia como cobertura mínima doze sessões de psicoterapia por ano, ampliando para dezoito, naquele ano.

Assim, o STJ distinguiu entre os anos de tratamento, respeitando-se o custeio integral da operadora em doze sessões até a mudança da resolução normativa, passando-se, doravante, a dezoito. Mas, para ambos períodos, o STJ determinou que os custos das sessões que superassem o piso mínimo deviam ser arcados em coparticipação entre operadora e usuário, em conformidade ao regime de coparticipação para a internação em clínica psiquiátrica, ou seja, o usuário e o plano devem arcar cada um com metade dos custos.

Dentre os fundamentos utilizados pela 3ª Turma para a estipulação de coparticipação nesses tratamentos, foi realçado o equilíbrio financeiro contratual que impediria a concessão de consultas indiscriminadas ou prolongamento de tratamentos. Entretanto, no voto do Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cuevas, a preocupação com o esvaziamento do tratamento da doença (“a restrição severa da cobertura pode causar a interrupção da própria terapia, o que pode comprometer a saúde mental do usuário”) realçou a mudança de perspectiva no tratamento de transtornos mentais que permeou a reforma psiquiátrica.

Artigo publicado no Jota.

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